5 anos da pandemia de Covid: luto e saudade fazem parte do convívio diário de famílias que perderam parentes no interior de SP

  • 11/03/2025
(Foto: Reprodução)
Série de reportagens fala sobre um dos períodos mais difíceis enfrentados pela humanidade: a pandemia da Covid-19. O g1 conversou com famílias do interior de SP que perderam entes queridos e lidam com a ausência. Veja como estão algumas famílias que perderam entes queridos cinco anos após Brasil registrar a 1ª morte por Covid-19 Reprodução Você se lembra do momento em que recebeu uma notícia que mudaria completamente a sua vida? Se recorda do lugar onde estava, da roupa que vestia, do dia, da hora, do rosto de quem te deu a notícia? Você se lembra do que sentiu? Há cinco anos, no dia 12 de março de 2020, morria a primeira pessoa por Covid-19 no Brasil. Em cinco anos, a doença matou mais de 715 mil pessoas e deixou outras milhares com sequelas. Se considerarmos o número de mortes, são milhares de famílias que até hoje se lembram e revivem o exato momento em que perceberam que a vida que tinham antes havia mudado para sempre. 📲 Participe do canal do g1 Sorocaba e Jundiaí no WhatsApp A pandemia da Covid-19 assolou o mundo e deixou marcas eternas em famílias, profissões, na economia, ciência e saúde. Por isso, o g1 traz uma série de reportagens para falar sobre um dos períodos mais difíceis enfrentados pela humanidade. 5 ANOS DA PANDEMIA: Carros dentro de shopping, música no portão e hospitais improvisados foram medidas adotadas no interior de SP Uso de máscara, álcool em gel e cardápios lavável e digital são ações herdadas por comerciantes no interior de SP 'Ainda choro quando falo' A foto de perfil do WhatsApp de Rogéria Guido da Silva mostra um jovem sorrindo e feliz ao lado da mãe. Ele é João Vitor Guido da Silva, que morreu de Covid-19 aos 22 anos, em 17 de abril de 2021, em um hospital particular de Sorocaba (SP). "Eu fico um pouco envergonhada de dar entrevista sobre isso, porque ainda choro quando falo", revela Rogéria ao g1. Foto do perfil do WhatsApp de Rogéria é com o filho João, que morreu há quatro anos por complicações da Covid-19 Arquivo pessoal Em meio às lágrimas, a mãe de João contou que a família fez um memorial para o jovem na nova casa. Eles precisaram vender o antigo imóvel para pagar as contas do hospital da época em que João ficou internado. "A gente colocou os instrumentos dele na parede, fotos, um personagem que ele gostava. Para o cantinho dele estar ali, nessa nova casa. Porque ele está ali, mesmo que não seja fisicamente, mas o nosso pensamento, nosso sentimento está com ele." Família criou 'memorial' para jovem que morreu por complicações da Covid-19 Arquivo pessoal Rogéria tem outros dois filhos, de 15 e 20 anos. É neles que ela encontra motivação para continuar, apesar da dor. "Eles merecem uma mãe inteira também. Se eu me enterrar junto com o João, eles não vão ter uma mãe inteira. Quem que vai cuidar deles? É difícil continuar, é muito, muito difícil, mas a gente tem que buscar força em Deus todos os dias e continuar pelos outros." Uma das marcas que a morte do filho deixou em Rogéria foi o medo de que os outros filhos contraiam alguma doença: "Quando a minha filha sai, vai em lugar muito cheio, eu fico apreensiva. A gente ouve notícias de que está tendo aumento de casos, novas variantes, e dá medo", desabafa. O memorial na casa e a foto com João no WhatsApp são maneiras de não deixar tudo que o jovem foi morrer junto a ele. "É um jeito de normalizar a presença dele, de que ele esteja sempre aqui, que as pessoas lembrem dele, do sorriso. Porque, para mim, que sou cristã, ele está vivo, está no céu", conclui. Rogéria guarda a foto do último aniversário de João, em janeiro de 2021, três meses antes de o jovem morrer por Covid-19 Arquivo pessoal 'Não pôde se despedir' Além de lidar com a dor, Adriele Alves precisou reunir forças para dar a notícia da morte da irmã dela para a mãe. Andreia Alves Silva, que morreu aos 40 anos por Covid-19 em 2 de março de 2021, chegou a comemorar a cura da doença em uma mensagem enviada ao filho dias antes de morrer. Andreia mandou mensagens para o filho comemorando que havia sobrevivido à Covid-19 Arquivo pessoal e Reprodução/WhatsApp Assim como o de muitos que morreram naquele período, o corpo de Andreia não pôde ser velado. Para Adriele, essa foi uma das partes mais difíceis de perder a irmã para a doença. "Minha mãe soube na garagem da nossa casa que a filha tinha morrido. Alguns vizinhos vieram dar suporte, mas outros ficaram com medo de chegar perto. Acho que a dor maior foi para a minha mãe, porque eu e meu pai tínhamos visto ela no hospital, a gente conseguiu dizer um adeus. A minha mãe não pôde se despedir. Então, até hoje, na cabeça dela é difícil acreditar que o corpo da filha possa, inclusive, estar naquele túmulo. Na cabeça da minha mãe, não tem ninguém ali, entendeu?", relata Adriele. Andreia Alves Silva morreu aos 40 anos, depois de testar positivo para a Covid-19, em março de 2021 Arquivo pessoal A ausência de Andreia causa até hoje dúvidas na família Silva. Adriele acredita que a irmã sofreu negligência médica e que não recebeu o atendimento adequado para poder enfrentar à doença. "Não chegaram a entubar ela. Na época, logo depois de ela ter sintomas, ela foi para o hospital e fizeram o teste, mas não saiu de imediato. Teve que aguardar uns dias até sair o resultado. Nisso, ela foi para a Santa Casa e ficou uns dois a três dias internada e deram alta. Ela foi mais três vezes para o hospital, mas não internavam, pois diziam que ela não tinha nada. A doença foi se agravando. Morreu com o pulmão 100% comprometido", relembra. Outras perguntas que passaram a fazer parte da vida de Adriele são: o que seria diferente se Andreia ainda estivesse viva? "Ela trabalhava em uma loja de cosméticos no Centro de Sorocaba. Quando ficou doente, mandaram ela embora. O caixão dela foi até pago com o pagamento da rescisão. Ela estava tirando habilitação, tinha comprado um carro, estava feliz. Ela era a nossa alegria, não tinha tempo ruim para ela. Se ela estivesse aqui, teria 44 anos, acho que continuaria sem medo de nada, vivendo na casa dela, curtindo o carro que ela comprou um dia antes de morrer. Acho que estaria feliz." Andreia Alves Silva entre as irmãs, Roberta e Adriele; família de Sorocaba (SP) relata luto após quatro anos sem Andreia Arquivo pessoal 'Datas comemorativas ficaram estranhas' Os homens da família Perassa, de Urupês (SP), morreram na mesma semana. No dia 29 de março de 2021, Jair Perassa, de 69 anos, não resistiu às complicações causadas pela Covid-19. No dia 3 de abril, o filho dele, Jocimar Júnior Perassa, de 41 anos, também morreu. Jair Perassa, de 69 anos, e Jocimar Júnior Perassa, de 41 anos, morreram à espera de leitos em Urupês Arquivo pessoal "Ainda estamos em processo de recuperação. Minha mãe, minha cunhada, viúva do meu irmão, e a filha dela, minha sobrinha, fazem tratamento psicológico desde o ocorrido", relata Joice Liziane Perassa, filha e irmã das vítimas. Ela se lembra até das últimas vezes em que falou com Jair e Jocimar Júnior, quando ainda não sabia que aqueles contatos com os dois seriam os últimos. "Consegui falar por vídeo com meu pai seis horas antes da morte dele. Com meu irmão, a última vez que nos vimos foi três dias antes de ele partir. Falei com ele, ainda lembro da voz e do olhar dele." Além de dor e saudade, as mortes dos dois também causaram mudanças na vida da família. "Meus pais moravam no sítio. Eles que sempre trabalharam e cuidaram de tudo. Minha mãe teve que se desfazer de uma parte da plantação de limão por não conseguir mais cuidar. Meu pai tinha muito amor pela plantação dele. Esse período foi como se tudo fosse uma grande devastação, sentimento de família deslocada e também, ao mesmo tempo, de força. Tirei força e coragem de mim que nunca achei que teria", analisa Joice. Família de Urupês (SP) perdeu pai e filho para a Covid-19 em 2021 Arquivo pessoal Joice diz que as mortes dos dois são um assunto evitado na família, mas, ainda assim, pai e filho são lembrados todos os dias. "Evitamos o máximo possível falar sobre. Quando falamos deles, é sempre lembrando de algo, tipo 'o pai gostava disso' ou 'o Junior gostava daquilo'. Tentamos lembrar dos momentos bons. Mas as datas comemorativas ficaram estranhas para a gente, pois meu pai adorava comemorar aniversário de todos e festas de fim de ano. É impossível não lembrar e não termos muita vontade de comemorá-las." À esquerda, Joice Liziane Perassa com o pai e mãe; à direita, Joice com o irmão, Jair Júnior. Moradora de Urupês perdeu o pai e o irmão para a Covid-19 Arquivo pessoal 'Tempo me ajudou a entender' Juliana Costa Neves conheceu Amanda Araújo na faculdade em Bauru (SP). A amizade de sete anos foi interrompida pela Covid-19, que vitimou Amanda e a mãe dela, Elaine Araújo, em maio de 2021. Elaine já estava sedada quando a filha morreu e não chegou a receber a notícia. A amizade se estendeu para fora do ambiente acadêmico e Juliana até chamava a mãe de Amanda de tia pelo carinho e proximidade. "Na época, já pensava que talvez tenha sido melhor ela não saber mesmo. Se a tia voltasse boa, ela ia sofrer mais ainda. Ela sempre falava para mim que não conseguiria ficar sem a Amanda", conta Juliana. Elaine morreu de Covid nove dias após a filha morrer pela doença em Bauru (SP) Arquivo pessoal Para Juliana, uma das maiores angústias é pensar que mãe e filha poderiam estar vivas, se tivessem tido a chance de receber a vacina contra a doença. "A Amanda morreu um ou dois meses antes de começar de fato a distribuição das vacinas para todo mundo. Ela sempre falava de vacina, a gente conversava sobre querer tomar a vacina logo. É muito doloroso pensar que pessoas próximas de mim morreram e não tiveram nem a oportunidade de receberem a vacina e poder continuar vivendo outras coisas", lamenta. Mãe e filha, moradoras de Bauru, morreram de Covid com quase dez dias de diferença Arquivo pessoal LEIA MAIS: Logo após aprovação da Anvisa, governo de SP aplica em enfermeira a 1ª dose de vacina contra Covid-19 no Brasil “Ainda estamos vivendo o luto da pandemia”, diz especialista Entre as coisas que Amanda poderia ter vivido, Juliana lembra que a jovem planejava se casar. "A gente conversava sobre isso, sobre eu ir no casamento, sobre onde que eles iam morar. Mexeu muito comigo a morte dela, por ser alguém com idade tão próxima da minha. A gente está aqui, mas de repente, em um piscar de olhos, a gente some". O tempo e a fé ajudaram Juliana a compreender a morte da amiga. Mas, em alguns momentos, a angústia vivida durante a pandemia volta à tona. "Quando eu tomei a primeira dose da vacina, pensei muito nela, que ela não teve a chance. Mas eu também sou uma pessoa religiosa, sou católica, então eu também acredito que cada um tem a sua hora e que Amanda precisou ir embora. Que Deus tinha um objetivo com isso. O tempo me ajudou a entender que a Amanda tinha partido e eu não ia falar mais com ela. Mas eu sempre lembro dela, em todo 1º de maio, dia que ela morreu, e no dia 6 de setembro, que seria o aniversário dela", relata a amiga. Amanda e Juliana fizeram faculdade juntas em Bauru (SP) e eram amigas havia cerca de sete anos Arquivo pessoal 'Não teve tempo de se despedir' Ana Carolina Dias não imaginava que a comemoração de 51 anos do pai, Antonio Marcos dos Santos, de Sorocaba (SP), seria a última. Depois da festa de aniversário em família, em abril de 2021, Antonio testou positivo para a Covid-19 e, em poucos dias, foi entubado e não voltou mais para a casa. "Na semana seguinte ao aniversário, ele começou a apresentar sintomas estranhos, mas acabou indo ao hospital por outro motivo. Ele tinha sofrido uma queda saindo da piscina, no aniversário dele, e estava com dor nas costas. Foi para o hospital por causa da dor, mas, ao examinarem, viram que ele estava com uma mancha pequena no pulmão", relembra a filha. Antonio Marcos dos Santos, de Sorocaba (SP), morreu aos 51 anos após contrair Covid-19 em 2021 Arquivo pessoal Antonio foi mandado para casa, onde se manteve isolado do casal de filhos e da esposa, mas, dias depois, começou a ter sintomas mais graves, como falta de ar, e voltou ao hospital com a saturação muito baixa, segundo a filha. "Minha mãe estava resolvendo os papéis do atendimento médico quando soube que ele já estava sendo entubado. Ela nem conseguiu falar com ele antes de ele ser entubado." A última conversa entre pai e filha foi pelo WhatsApp, quando Antonio mandou para Ana o resultado positivo do exame. A falta de uma despedida, de uma conversa entre pai e filha, é até hoje uma das partes mais difíceis para a jovem. "Quando ela voltou para casa sem ele, meu mundo caiu. A gente esperava os boletins médicos todo dia e ele estava respondendo bem. Chegaram a ligar um dia que ele tinha melhorado, mas, na manhã seguinte, ligaram informando que ele tinha infartado e morrido. Foi muito rápido, a gente não teve tempo de se despedir", lamenta Ana. Antonio Marcos dos Santos, de 51 anos, deixou dois filhos e a esposa Arquivo pessoal Ana tem certeza que, se o pai estivesse vivo, os 55 anos que ele completaria em abril deste ano seriam comemorados com uma grande festa. "Meu pai amava festa. Qualquer oportunidade que tivesse, ele estava fazendo festa. Mas não são só essas datas que mexem comigo. Acho que nas coisas mais simples do dia que acabo sentindo mais. A gente passava muito tempo juntos. Eu estou vivendo minha vida e, sei lá, vejo algum vídeo engraçado, penso em mostrar para ele, e aí me bate um vazio. A gente tinha um laço muito forte de pai e filha." 'Estou vivendo minha vida e, sei lá, vejo algum vídeo engraçado, penso em mostrar para ele, e aí me bate um vazio', diz jovem que perdeu o pai para a Covid-19 em abril de 2021 Arquivo pessoal 'Lembrado diariamente' Desespero e impotência são os sentimentos de Graziela Aparecida de Proença ao lembrar da pandemia. Ela perdeu o irmão por complicações da Covid-19, em novembro de 2020. O professor Glédson Antônio de Proença, morador de Itapetininga (SP), tinha 38 anos, era diretor de uma escola particular e dava aulas de geografia. "Lembro do medo constante de sair de casa, da angústia de não poder visitá-lo no hospital e da frustração de não conseguir sequer um tratamento adequado naquela fase tão caótica. Hoje, ainda sinto uma mistura de raiva e tristeza quando penso em como tudo foi injusto. Ele partiu em um momento em que o mundo estava despreparado, e isso deixou marcas em todos nós. Mas também me faz valorizar cada avanço que tivemos desde então, como as vacinas, que poderiam ter salvado tantas vidas se existissem antes", cita Graziela. Professor Glédson Antônio de Proença, de 38 anos, morreu após ficar 18 dias internado na UTI Arquivo pessoal A última conversa com o irmão teve que ser por telefone, dois dias antes de Glédson piorar. No bate-papo, planos para um futuro próximo que não se tornaram realidade. "Falamos sobre coisas simples. Eu contei que minha mãe e minha filha tinham limpado a casa dele e ele riu, dizendo que queria ver quando melhorasse e pediu para que eu levasse uma cerveja no hospital. Hoje, essas memórias comuns são as que mais doem, mas também as que mais me confortam, porque mostram o quanto ele era presente, mesmo nas pequenas coisas." A família pôde velar o corpo de Glédson por apenas uma hora e com caixão fechado. O velório do professor, que era muito querido pelos estudantes e funcionários da escola onde trabalhava, pôde ter somente 20 pessoas. "Isso foi algo muito triste. No começo, era um assunto dolorido de lidar em família, mas nunca deixamos de falar sobre ele. Ele é lembrado diariamente em todos nossos diálogos. Era uma pessoa muito extrovertida e com muitas histórias, é difícil não conversar sobre alguma coisa e não falar de alguma história dele", relata a irmã. A roupa pendurada no cabide, o lugar vazio à mesa, o quadro com a foto, o animal de estimação que ficou sem tutor, os planos não vividos, a parte que falta. Cinco anos depois do começo de tudo, especialistas apontam que mortes da pandemia trazem características específicas que podem tornar a recuperação emocional após a perda ainda mais difícil. "A dor não desaparece, mas transformamos parte dela em gratidão pelo tempo que tivemos juntos." Alunos de escola onde Glédson era diretor fizeram um mural em homenagem a ele Arquivo pessoal Professor de Itapetininga (SP) morreu por complicações da Covid-19 em novembro de 2020 Arquivo pessoal VÍDEOS: assista às reportagens da TV TEM Veja mais notícias da região no g1 Sorocaba e Jundiaí

FONTE: https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/noticia/2025/03/11/5-anos-da-pandemia-de-covid-luto-e-saudade-fazem-parte-da-vida-de-familias-que-perderam-entes-queridos-no-interior-de-sp.ghtml


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